domingo, novembro 18, 2007

Digamos que...


Tinha olhos ferinos e ardentes das chamas mais dolorosas de quem sofre dor em silêncio, e amargas risadas disfarçadas em um ar sapeca de menina inconsequente. Os cabelos se uniam em uma trança única que terminava no meio das costas contendo sua natural selvageria. Usava máscaras como todo mundo. Como todo mundo, em noites de Lua grande, quando a carne ardia e suas cicatrizes curadas se abriam, cantava para a Lua cheia, doce mãe temerosa, que amenizasse sua alma insana, e então um coro funesto de vozes perdidas surgiam pelos telhados da cidade iluminada com falsas estrelas... Deus! como haviam corações esmagados implorando por um pouco de sanidade, por um pouco de paz, de verdades curadas... asas endireitadas... calor humano... e só um pouco de escuridão, para que não se morresse de tédio.

É que essa noite o céu negro me deu medo,
e eu precisei dos teus olhos pra saber quem eu sou

Renata Lôbo

quarta-feira, novembro 07, 2007



E o mundo era um boneco de neve derretido, e a ela restara a pequena alegria forçada de que pelo menos, a àgua no chão não havia se evaporado por aquele sol quente que agora matava seus sonhos!

Renata Lôbo

Boneca de Plástico...



Boneca de plástico com olhos de vidro, vazios como o infinito, à espera de um milagre. Sangue por todo lado. Abraços forçados, sorrisos falsos. Boneca de plástico de corpo esquelético no palco improvisado de uma vida perdida. Educação fingida, concursos de beleza, a número um! Olhos pintados de rosa, boca desenhada, felicidade invejada.
O mundo que podia ser criado. Sentimentos que a tornavam melhor. Onde dizer o que era real ou ilusão? Por alguns segundos se perdia abrindo asas inventadas e saltando sem medo algum para o abismo secreto escondido dentro dela. Olhava para trás mantendo lágrimas escondidas de si mesma. Toda uma história de desejos renunciados. Talvez quando crescesse sozinha na escuridão que amedronta heróis gregos, talvez todas as suas lembranças se tornassem pequenas salvações. Dizendo que está tudo bem, persegue estrelas mortas para aquecer um pedaço de paz de quando estava nas asas de um anjo, reconforto seguro. E o relógio no pulso marcava o tempo que não voltava mais, e apesar de saber disso, dizia sempre inocente, "Temos tempo!", mais para si do que para qualquer outra pessoa, "Mantenha sua alma à salvo, guarde bem suas palavras e seus nós de marinheiro. Em algum momento a vida irá cobrar por seus erros e nunca entenderão que suas falhas eram apenas por medo de laços profundos e dores insuportáveis. Dizer adeus às vezes pode machucar pra sempre." Diferente do que dizem não há salvação amigo triste, o mundo anda morrendo de solidão, consciência adormecida... Era frio aqueles dias e uma segunda chance era o que todos desejavam.
Acreditasse que amor não morre. Que saudade se apaga. Que olhos se esquece. Asas de anjo partido humanamente. Reconforto esquecido. Flores de plástico sem perfume e sem cor.
Ah, se soubessem que seus lábios machucavam, alma de carne e sangue. Era uma sonhadora e vivia em países imaginários e castelos acorrentados ao céu, embalando em sacos plásticos seus sentimentos para melhor conservar na geladeira que era seu espírito atormentado por dores imaginárias e cortes sem cicatrizes.
Em seu mundo o amor machucava.
Caminhos opostos e cruzados marcavam sua vida. Uma noite longa se anunciava palidamente e seus olhos já vermelhos e cansados quase se recusavam a permanecerem abertos. Quase! E com medo aguardava o abismo silencioso iluminado por estrelas, onde uma Lua infeliz pairava no céu. Sua amargura poderia ter consolo?
Ah, se a primavera dependesse dela... eternos invernos no reinado da boneca de plástico.

Renata Lôbo
Porque essa máscara colorida nesse rosto pálido e sem cor??
Mantos de alegres mentiras sob o céu negro de um mundo despedaçado...
Porque não gritar se a dor era de verdade? Nessa noite de negras estrelas entrelaçadas... colisão violenta de sonhos... ninguém diria o que fazer, nem pra onde ir, ou o que levar... Como podia se perder se no caminho que escolhera não havia curvas? Porque amargas melodias lhe convidavam desastradamente a aceitar propostas indecentes onde tudo que poderia perder era um pedaço de sua alma, um pouco de sua vida e quase todo seu coração?

Dizer seu nome me salvaria? ....

Renata Lôbo


Esquecia-se desatradamente que ninguém é de ninguém...
Seu grito era seco, como o grito de quem não espera salvação. Raíz cortada pra sempre.
Superava sua dor e seu medo. Sentido já não havia há muito tempo, abrira mão de tudo isso... Se perguntava se permitiriam que sentisse tudo o que sentia... Se perguntava se lhe era permitido viver tudo o que queria viver... Futuro era promessa doce... Mas que pena! Sempre quebrava suas promessas no ultimo instante, pois seu espírito se afugentava febril, renunciando a eternidade que lhe ofereciam... Sentido mesmo não havia nenhum... Recusava-se a ter lógica... Atos perdidos, gentilezas esquecidas e insultos ignorados... Quis tanto, tanto, tanto acreditar no que sentia...
Quis tanto entregar seu coração, mas pensando - ou sentindo - bem, deveria renunciar a esse ato humano e mortal. Sem razão nenhuma. Tão complicado por ser tudo tão simples...
Eu te deixo me deixar pra sempre... E o coração reclamava cansado...
Prisão era a liberdade e liberdade era prisão. Vício doloroso.

Renata Lôbo

Sentido Decrescente


Ah, doces sinfonias reguladas ao ritmo do coração!
Ah, doces contravenções em compasso com a alma
em descompasso com o mundo.
Armaduras de papel plissadas ao calor do sangue.
Agudas hastes cravadas na carne feita de amor.
Pesadas ilusões do tamanho de estrelas morrendo de realidade...

Banalidades superficiais.
Caminhos densos
Sorte perdida, alma desprendida.
Passarela inacabada que nos levaria ao outro mundo onde
nos amaríamos sem receio e sem medo e sem tempo finito.

E presente não depende de passado,
E futuro é promessa doce...

(Meu coração acelerado. Canção de ninar. Seus braços, meu lar. Principe Encantado perdido encontra princesa solitária. - Maldições e Pactos. Dilacerações no canto negro de uma alma secreta...)
Sentido decrescente, o mundo gira, ramos me levam, me deixam, me esperam? Ah, esperassem... Quem dera...

Renata Lôbo

Pequena história de Borboleta...



Esbravejava olhando para o céu enquanto perambulava como uma bêbada em seu caminho tortuoso ornamentado de pedras sem valor. "Olhei para o céu pálido-cinza e vi uma borboleta que não me viu, meus olhos ardiam de desejo, é que eu pedi que se aquela borboleta cheia de patas assustadoras e cores fascinantes me olhasse, ou simplesmente fingisse me ver, então algo aconteceria." E o sinal pelo qual tanto pedira não veio, embora a borboleta tenha voado em sua direção, batendo cegamente em seus óculos de lentes grossas, ainda assim não notara seus olhos. Não se desculpou nem nada, seguiu com suas asas amarelas para onde quer que fosse, sem nunca olhar para trás.

Renata Lôbo