segunda-feira, maio 19, 2008


Se você acredita no que vê, então acreditaria no que digo. Mas é que não tenho certeza se estou vendo o certo. Nesse instante tudo está confuso. Quantas vezes durante o dia você se pergunta se já não é hora de recomeçar tudo?! Estou me segurando para não machucar as pessoas ao meu redor. E para não me machucar também. Nada de mais. Estou caminhando lentamente por que tenho medo de cair. Já estou com tantas cicatrizes. Se a cada vez em que eu partisse, meu espírito também recomeçasse do zero - novas cicatrizes - isso sim seria genial. Mas tenho que carregar minhas bagagens e talvez isso esteja me pesando um pouco. Mas, mesmo que seja lentamente, estou caminhando, pelo menos é o que eu acho. Se eu sorrisse essa tarde você acreditaria que meu sorriso era sincero? E choveu gotas pesadas de lágrimas, escorriam pelas nuvens dores do mundo. Estamos procurando por sentido. No fundo, acho que todos estamos à procura. Nesse instante, poderia falar por horas sobre tudo e nada, pois estou flutuando por entre lembranças que julguei estarem perdidas. Calma, antes do almoço elas adormecerão novamente. Sabe como é, tenho que sobreviver. Levantei minhas mãos pro céu pedindo um pouco de paz. 'Só hoje estranha consciência, me deixa dormir e esquecer os meus medos.' E se esse abismo fosse mais profundo? E se enquanto caísse levasse alguém comigo? Mas é que mesmo pra morrer se morre sozinho. Foi o que lembrei. Supera-se o próprio medo. Um baque surdo. E de repente já não se é mais. Ah, os mistérios que me fascinam! Mas o que seria mais doloroso: saber que se está sofrendo, ou sofrer sem notar? Enquanto observava a chuva batendo na minha janela, não pude deixar de pensar... O que dói mais? Sofrer sem notar? Sem sentir ao certo? Apenas deixar o rio fluir por entre veias cortadas, sem sangue, sem cor?... Ou observar dia após dia a dor enraizar-se no peito e na alma? Remexer na ferida, como um cientista doido em busca de respostas. Tocar na dor, olhá-la cara-a-cara, tocar em seu braço, beijar sua face e dizer ternamente: O que faz por aqui, minha pequena?!... Ainda não encontrei as respostas. Talvez devesse parar com minha velha mania de analisar minhas dores, parar de engavetá-las em pastas bem organizadas... Talvez nesse instante eu pudesse entender que na incompreensão de existir, nessa incompreensão é que tudo faz sentido. Mas ainda não sei me livrar de velhas manias. Meus hábitos. Se soubesse, talvez alguém me amaria pra sempre, porque quando me pedisse, eu arriscaria meu coração e ficaria em terra fértil criando raízes profundas e amargas. Mas não me explicaram como é que passarinho pode virar àrvore de fruto doce. Então eu disse sorrindo: já é hora de voar e conhecer mais paisagens. E por não me conhecer é que aceitou tão bem. 'Não me procure, não me ame, não me espere, não me tolere.' Escrevi tantas listas. É que no final tudo funcionaria bem, e eu poderia sempre aquietar minha alma dizendo que pelo menos, pelo menos eu avisei.


Talvez ela só buscasse proteção naquele mundo de bestas-feras. Buscasse mãos acolhedoras para se segurar depois de uma queda, mas tudo que ela encontrava eram paredes frias de um quarto vazio. À noite, ela sempre se perguntava quanto tempo mais agüentaria perdida naquele mundo. Talvez ela fosse apenas uma garotinha...


Renata Lôbo


Tentei pular a janela do meu mundo, mas esqueci que estava trancada. Me tranquei aqui dentro há algum tempo. Já não sei como sair...

(Renata Lôbo)

domingo, maio 18, 2008

Quanto tempo eu vou ter que esperar pra te provar que faço meus próprios passos pra viver minha própria vida?!...

Renata Lôbo


Como é que se dizia mesmo naquela época? ah, sim. Era uma vez...
Naquele mundo onde elas existiram, uma garota de cabelos vermelhos e sua amiga de cabelos negros. Ambas se conheciam há muito tempo e desde sempre se tinham uma à outra. Porque naquele mundo em que viviam, uma pessoa sozinha não era nada e nem ninguém. Então se encontraram numa tarde de domingo, por acaso mesmo. Pois essas coisas sempre eram por acaso. Não há nomes nessa história. Viviam há algum tempo naquele mundo. E isso também é o suficiente. Estavam em crise. E foi assim que essa história começou, ou como diria melhor, terminou.
Naquela tarde uma delas iria embora, não era para sempre, mas o fato é que iria embora. Caminhando lentamente e em silêncio, a ruiva acompanhava a morena até o lugar onde se veriam pela última vez. A parada de ônibus. Foi então que notara um sentimento surgir em meio à multidão de sentimentos que lhe habitavam nesses tempos. Levou a mão à boca tentando parar a respiração e o instante para traduzir em palavras compreensíveis para sua própria alma. Aquele sentimento tomava forma e tornava-se aos seus olhos quase uma coisa viva. Segurou no braço da amiga querendo dizer o que descobrira naquele instante. Esta parou e olhou-a nos olhos esperando que as palavras retidas jorrassem feito tempestade. A ruiva tentava então encontrar as palavras que lhe escapavam, e em seu íntimo um vazio se remexia, como quando se falha um degrau da escada. Olhou para o chão. O que mesmo descobrira? Ruborizou-se. Tornava-se vermelha a cada vez em que tentava dizer sobre si mesma, não importando o assunto. Falar sobre a alma dos outros era fácil. Mas como despir a própria alma perto de desconhecidos na parada do ônibus? Tentou inutilmente afastar-se das pessoas que ali estavam, e quando de sua boca surgiram palavras, eram quase sussurros. Começava a se desesperar em silêncio por que aquele sentimento surgira nela e não queria que morresse calado. Tinha medo de fantasmas. Começou docemente a dizer, jurando pra si mesma que desconhecidos eram apenas desconhecidos.
- Sabe que eu tenho medo?
- De quê?
Olhava então para sua casa que se situava não muito longe, abrangendo o sentimento para melhor expulsá-lo.
- Se...
Cortara a voz horrorizado. Aproximava-se alguém que ela conhecia e pensava a conhecer. Despir a alma perto de estranhos já era difícil. Perto de um conhecido-estranho então, impossível.
Cumprimentaram-se. A morena também conhecia-o. Jogava-lhe charme. Passatempo de gente carente. Sorriram. Depois voltara a atenção para a amiga que permanecia muda.
- O que você estava dizendo?
Esta, sorrindo amarelo tentou esconder o desapontamento, não conseguiria dizer. Pensando que nada seria pior foi que notou que o ônibus da amiga chegava manso, lá não muito longe. Torcendo intimamente para que não fosse o ônibus certo, mas que fosse o certo para o conhecido-estranho. Desapontara-se outra vez mais. A morena constatando que estava na hora de realmente dizer 'tchau', ou simplesmente 'até logo' - pois esperava que se reencontrassem logo naquela cidade distante onde a amiga ruiva prometeu que iria para não dizerem mais 'adeus' - deu os ultimos ajustes na pesada mochila e notou meio vagamente o olhar aflito da outra, ignorando logo depois. Estava ansiosa demais para pensar no que quer que fosse.
- Espera o próximo, passa rapidinho! Era a tentativa desesperada da ruiva, queria tanto dizer o que precisava dizer.
- Não posso, dissera um tanto desconcertada. Minha mãe pediu que não demorasse. Tenho que terminar os preparativos, sabe como é... sorriu transparecendo toda a sua alegria.
Abraçara a amiga desejando de todo coração a rever em breve. Precisava tanto dela ajustando suas emoções, pois ninguém mais sabia tão claramente como lidar com suas confusas emoções de adolescente em crise, apenas a amiga ruiva que não se chocava quando se deparava com os pedaços de sua alma largada no fim de tarde e de um relacionamento conturbado.
A ruiva lhe dissera um 'tchau' meio mudo desejando do fundo do coração que a amiga fosse feliz e que aquele novo mundo a acolhesse com carinho, pois sabendo o que acabara de saber, não se veriam tão cedo. Continuou olhando o ônibus que se afastava na sua mansidão e nele levava a menina de cabelos negros que por tanto tempo fora parte de sua vida. Sabia que agora tudo seria diferente, pois estaria uma vez mais sozinha nesse mundão que tanto temia.


Notara nessa tarde que não iria embora para aquela cidade longínqua onde supostamente reencontraria sua amiga. Pois notara nitidamente que não estava pronta ainda para ir embora. Olhando sua casa não muito longe, sabia que uma vez que fosse embora nunca mais voltaria. Uma vez que fosse embora, não teria mais para onde voltar. Se fosse embora seria para sempre e não tinha garantias de que para sempre fosse uma coisa boa. Tinha medo. Quis deseperadamente dizer a amiga que estava com medo. Esperava que esta a reconfortasse dizendo que não havia o que temer. Tudo ficaria bem, o melhor a se fazer era realmente partir. Esperava que a amiga lhe dissesse qualquer coisa em que desesperadamente pudesse acreditar. Tarde demais. O ônibus dobrava a esquina já longe de seus olhos. Foi a ultima vez que se viram. Embora muitos meses depois a garota de cabelos negros voltara para casa, mas ambas tinham almas diferentes, e estas nunca mais se encontraram. Não viveram felizes para sempre. Porque 'viveram felizes para sempre' era uma ilusão perigosa demais.

(Renata Lôbo)