domingo, março 21, 2010



O que é o amor senão um jogo idiota onde o que se tem a perder é o mesmo que se tem a ganhar? E as asas do dilúvio te naufragam com as sutilezas de garras recém pintadas e escarpadas. Uma subida miserável e uma descida gloriosa. Um enredo perfeito de fantasia e nada. E eu posso me afundar perfeitamente já que o que me segura aqui é insolúvel em meus dedos amargos de tanto deixar. Minhas pernas fracas de tanto fugir. E meu desejo subliminar de pedra funda e coração embotado. Meu colar de falsas poesias e falso torpor e a arrogância de estar só.
Estou só. E que Deus me ajude a enxergar o bom, porque o mau trago irremediável em mim. Minhas limitações humanas e perdidas e esse pecado inútil de ser suficiente. De ser uma só. Sem contraparte, sem alma secreta, sem espelhos mentirosos.
Que se avisasse antes de mais nada, meu amor, tenho fagulhas nos olhos, ácido na boca e espinhos na alma. E meu coração, eu o perdi há léguas e milhas de mim. Acho que fugiu. Vai saber. Nem ele me agüentou, provavelmente ainda está procurando um par, um lugar, um desejo, qualquer coisa para sentir.
Eu que queria ter apagado tudo. Um zero fresco. Mas para isso é necessário voltar, e sou covarde de mais para olhar para trás, para duvidar. Para me desculpar. Meus descuidos. Meus erros poeirentos. Minha inveja aguçada mesclada com meu cinismo. Egoísmo.
Sou toda isso. Um pacote estragado. Sem selos suficientes. Perdida no caminho entre aqui e lá, tentando se decidir qual saída de emergência é a mais fácil, a que está mais próxima, empunhando uma espada invisível e lacerando todo carinho declarado, toda tentativa tola de ser alguém para alguém. Toda lógica insensata de amar. Amar e ser amada. Perdoar e ser perdoada. De não mais deixar, e de nunca mais ser deixada.

Patética. Tola. E fraca. De coração ensangüentado.


Renata Lôbo

quinta-feira, março 04, 2010

Olhos


Seus olhos a assustaram. Não se importava que outros tivessem aquela expressão, aquele desagrado, mas quando aqueles olhos a encontraram, não pôde deixar de sentir um calafrio e a vontade de gritar. Por Deus, apenas um grito, mesmo que nada resolvesse, mesmo que o mundo não parasse. Mas então, o que adiantaria? A decepção naqueles olhos continuaria firme. Julgando. Quase matando. Com pedradas. Fagulhas de um ódio delicado se juntavam no fundo de sua garganta. Incinerando-a. Apenas respirou sentindo aquele peso em seus ombros. Esmagando-a com a delicadeza de um sorriso bobo, então ela que se disfarçava em falso amor compreendido, como se nada importasse, e por dentro, tão dilacerada que estava, acordava em pesadelos saltitantes e escoriações em sua pálida alma assustada.

Transfigurava sua loucura em doces fagulhas de ódio moribundo, mas ainda intacto.

Renata Lôbo