domingo, maio 30, 2010


Ela se segurava firme. Pronta para muita coisa. As mãos trêmulas, o queixo com um tremor leve como se não devesse estar. Então ela engolia a dor. Levantava-se rodando pelo quarto e contando até três, dez, cem. Qualquer coisa. Qualquer coisa mesmo. Ela estava cansada e não se sentia bem. Não. Eu estou bem. Dizia mais para si mesma do que para ninguém. O mundo não importava. Só seu universo onde se contorcia cansada demais de tantas amarras, tantos tombos. Pronta para tudo o que viesse. Ela apertava as mãos como se algo pudesse escapar, como se o mundo pudesse quebrar. Então seus olhos choravam. E ela os fechava como se pudesse evitar que o mundo desmoronasse. Mas tudo desmoronava. Ruía. Então sorria, áspera, como se tudo tivesse sentido. Houvesse um senso. Bola flamejante em mundo normal.


Eu me esqueci. Mas sei que devia me lembrar. Então agora eu lembro. Minha escuridão é minha. Só minha. Não devia ter estragado seu céu com o meu cinza. Mas agora que me lembrei não vou mais esquecer. Que a escuridão que me acompanha é minha melhor segurança, meu remédio venenoso e uma parte substancial da minha própria alma. Talvez tudo tenha sido minha culpa. Veja bem, eu disse talvez, pois ainda acredito no livre arbítrio e por isso decido acreditar nesse talvez, insosso e sem nenhuma cor. Talvez seja muito minha culpa e ainda assim não estou nem aí. Meu mundo é meu e só meu. E acredite em mim, você seria esmagado se soubesse metade da minha verdade.


E ela se acanhava com olhos indecisos como se o paraíso fosse algum lugar que machucasse, como se o ódio não incomodasse, como se o mundo fosse um grande jardim de flores secas onde borboletas negras criavam seus furacões. O céu particular de um modo tolo e prático. Caminhe ao meu lado para que eu saiba que não estou só. Pare o tempo que quero descer. Pare as horas que quero pirar! Pare o mundo para que eu não me destrua.


E por favor, vá vender loucura em outro lugar.


Acendeu então a luz. Pronta para mais um pesadelo.


Renata Lôbo

Indo na direção errada. Batendo contra os postes da loucura. Sem o menor senso de perigo.

Renata Lôbo

sexta-feira, maio 28, 2010

Confesso.

Confesso que esses dias estão bem cinzas e meu humor muito camaleão, que o tédio me entedia e que a fantasia me vicia, que não gosto desse meu sorriso forçado, nem do meu olhar acuado.
Confesso que quero gritar alucinada para assustar todo mundo e pra me assustar também.
Confesso que aprendi a amar quem eu sou, mas morro de pena de quem tenta me amar, faço mais mal do que bem, mais arde do que sopro. Mais tempestade e menos vento.
Confesso então... Que Sou uma grande bagunça, com prédios partidos e pontes levadiças que se abrem no pior momento e lançam no mar meus sonhos que, marinheira de mim, não sei buscar.

Confesso que não como salada e nem tomo leite quente, mas sonho em vão.

Confesso que acordo confusa no meio de um sonho bagunçado e não é apenas meu quarto, é meu mundo, meus olhos, meu bairro. E se olho ao redor posso jurar que tudo está igual, o mesmo vão, a mesma porta, a mesma colisão. Retratos amaldiçoados e olhos estampados de xadrez sem cor, sem alma, sem voz.

Confesso que adoraria confessar meus crimes, me achar, me perder, te deixar. Mas confesso ainda que já fui julgada e meus crimes, eu os joguei pela janela, sem semidesculpas dessa vez, sem acertar e nunca errando. Confesso que não faço sentido e não me importo por que me entendo sem nem precisar usar as palavras que aprendi tão pequena e que cresceram e me queimaram com carinho doente e são.

Confesso que nada é o que parece e tudo é o que é. Sem respostas fáceis, sem carinho e corrimão.

Confesso tudo só para descobrir depois que não confesso nada porque não sei dividir meu mundo com ninguém, nem meus sonhos, nem meus delírios.


Confesso que hoje não me amaria, não te deixaria, seguraria entre meus dedos o instante agora e hastearia minha bandeira de paz. Preciso tanto dela. Tanto.


Renata Lôbo

quarta-feira, maio 19, 2010


Hoje. Hoje apenas. Vamos dizer assim. Estou inteira apesar de despedaçada. Não vou dizer que nunca vi essas asas bagunçadas nem esses olhos inchados. Não vou mentir nada disso. Não quero esse sonho morno nem esses dias calmos. Apesar de tantos pesares, acho que consigo montar esse quebra-cabeça e encontrar a saída. Vou admitir só hoje, só para ninguém, porque não estou buscando respostas. Prefiro as perguntas. Será que vai durar? Será que vai cicatrizar? Será que vai passar? Será que o mundo continua? Será que dá para notar? Costurando os retalhos, esses pedaços inacabados de um tempo perdido, de horas agradáveis e sonhos curados.
Não vou fazer acordos. Não vou aceitar pedidos. Quase perdi tudo isso. Quase perdi muita coisa e no final ainda acho que tenho sorte porque continuo aqui. Entrevada com dizeres inúteis e desculpas esfarrapadas. Mas ainda aqui. Inteira e intacta com ponteiros de uma bússola quebrada. Com erros acertados e uns momentinhos de absurdos agradáveis.
Posso correr. Posso me perder. Posso até sonhar com parafusos derretidos e olhos frios. Posso dizer que superei. E posso até mesmo superar de verdade e parar de sangrar essas mentiras gentis com gosto de chocolate e energético quente. Posso acordar e descobrir que toda essa realidade existe e toda a fantasia misturada nessa casa bagunçada. Refúgio. Abrigo. Qualquer coisa. Eu conserto e me acerto. Me acho e me deixo. Olho e perco. Porque nao quero nada.

Renata Lôbo

Dance para mim essa valsa solitária porque meus pés estão doendo e o ritmo me incomoda. Olhe para mim e veja além. Que meus olhos estão cansados dessa poeira inútil, não quero sentir sua dor. Nem te sentir perto se está tão longe. Não viu. Nunca verá. Estou aqui parada nessa encruzilhada com flores venenosas nas mãos. Esperando que você apareça. Em vão.

Renata Lôbo