sexta-feira, abril 25, 2008

Rimas Soltas... Disritmia


A rua das ilusões brilha sob as falsas luzes da cidade. O que nesse mundo há de ser verdade? Minha comodidade? Meu lar? Sou muitas pessoas. E todas elas estão perdidas. Pontes. Castelos. Muros de concreto.
Queria encontrar olhos para confiar. A cidade é muito grande e eu tento não me assustar. Pegar pedaços de histórias para contar e beijos para lembrar. Sonhar. Fantasmas me acompanham sem hesitar. Estou recolhendo muitos cacos, e ainda assim meu coração está inteiro. Consertei a parede do meu quarto. Uma reforma inteira. Novas fotos para enfeitar. Novas músicas para escutar. Virando páginas. Lixo.
Pudesse seria mais fácil. Melhor não acreditar. Pelo menos bicho-papão não me assusta mais. Vou continuar escrevendo. Acreditando. Não tenho outro jeito para mostrar. Ainda sou uma fugitiva da verdade. Segredos. Tenho tantos. Enfrento o escuro sozinha. Dou socos ao acaso. E apunhalo o medo, quando não é ele que me acerta em cheio. Gosto de acreditar que sou forte, mas sei bem das minhas fraquezas. Odeio meu sorriso forçado e meu olhar de bicho do mato. Não corro. Não odeio. E nem amo. Não tenho explicação. Tenho só meu coração e não o entrego, não vendo. Não faço liqüidação.


Rimas simples.
Enganos e perdas.
Acasos.

Estou um pouco assim. Já chorei muito nesse mundo. Já ri demais. O que no meio disso tudo foi verdade, nem eu sei. Vou me perder por aí sem me encontrar. É que meu mundo também se constrói assim. Amargos chocolates, encanto e marfim. Cactos e cacos. Estou em milhares de pedaços. Em tudo vou te machucar. E depois vou fingir nunca notar. Atravessar a rua e ignorar. E para sempre, nunca irei voltar.

Tudo está meio vazio agora, minha mente, minha alma, meu mundo... E eu não quero ver você ir embora, por que eu não quero ficar para trás. Vou libertar meus demônios. Abraçar meus fantasmas. Carregar no colo minhas dores. E para sobreviver a tudo o que restar, vou vestir meus delírios, e eles serão reais. E agora vou me manchar. Só para mostrar que o mundo não me quebra. Mas quebra, rasga e me deixa sozinha.
Caminho por ruas desertas, luzes amarelas e sons assustadores. Parece que me assusto fácil. Caio mais fácil ainda. Mas me levanto rápido. E sobrevivo. Meu mundo não é feito de material sensível. Toda queda me deixa cicatrizes. Mas não estou hoje para contar histórias. Estou hoje para vivê-las. ...

"Saudade - Ausência de partes essenciais. Falta de calor e familiaridade. Excesso de espaço no armário. Falta de comodidade individual e interna. Perda ou ganho de peso. Obsessão. Olhos vermelhos. Álbuns abertos. Cartas relidas. - Saudade."

Renata Lôbo

terça-feira, abril 15, 2008

Ultimas e despedidas...



- Eu posso prever o futuro. - dissera como se fosse a coisa mais normal de se dizer. Não esperava por uma resposta. Na verdade, evitava olhá-lo já adivinhando o espanto e o ceticismo dele.
Ele não disse nada. Não acreditava nessas coisas e a cada dia que passava, acreditava menos ainda nela.
- Não vai me perguntar sobre o seu futuro? - Ela já se posicionara na defensiva. Apesar do tom irônico, o sorriso ainda morava no canto dos lábios como um hóspede secreto. Mesmo quando tentava ser cruel com ela mesma, não conseguia perder toda a doçura que ele lia como páginas abertas. Enrolava no dedo uma mecha do cabelo curto, olhava para o nada. Olhava para o chão. Reuniu coragem e olhou para ele, que adivinhou a seriedade na ponta dos seus olhos e isso o deixou meio lento e vacilou, hesitou. E ela decifrou seu desapontamento, mesmo quando ele tentava esconder, jogando pra debaixo da cama junto com tantos outros defeitos escondidos. Ela viu. Pregou-lhe um beijo na bochecha e levantou-se da cama para se vestir. Roupas pelo chão. Seus movimentos de bailarina de cristal eram espontâneos e simples. Vestiu-se sem pressa e sem demora. Seu último movimento era carregado de uma melancolia triste.
Ele quis puxá-la para si, afagar seus cabelos, beijar seu rosto de boneca, possuir sua boca. Mas estava sofrendo o mal da paixão quando o sentimento se mescla ao desejo e o estômago se revira e o medo paralisa.
Já ela, tinha muitas cicatrizes de rejeição e por isso tantos muros de concreto e metal venenoso que a protegiam e a matava. Terminou seu último movimento de sinfonia trágica. Calçou seus sapatos com salto plataforma. Olhou-o uma última vez. Aproximou-se como se o ar em volta dele lhe pertencesse. Aspirou seu perfume. Tocou em seu rosto. Gravou em seus dedos a forma daquele queixo. A textura de seus cabelos. Fotografou aqueles olhos. Aqueles seus olhos... Ligou aquelas duas bocas pela língua quente e úmida. Longos segundos. Sem música ao fundo. Sem palavras de consolação. Sem notas de adeus.
Ela previa um futuro imutável, e deixara o homem estático, parado e quebrado em pedaços diminutos. O perfume dela ainda dançava em volta dele. Pela última vez naquele quarto previu o futuro. Sem lágrimas para ajudar. Olhos secos de cigana perdida.

Renata Lôbo


" E se ele resolvesse que queria proteger outra pessoa? Que mal faria? Quem é que se machucaria e o que é que se perderia? Existia um eu perdido e assustado entre paredes sólidas demais para serem derrubadas. O ar era pesado e exalava o cheiro da solidão morta. Se ele não voltasse... Quanto tempo levaria para descobrir que na verdade não queria ficar entre muros intransponíveis e o rosto dela manchados de tristeza mascarada? Deveria saber admtir uma derrota, sem o peso da vergonha. Não suportava mais. Ele que sempre se achou de força extrema. Perdeu. Não podia salvar ninguém. Não naquele lugar. ...
Apareceu como uma lembrança perdida. Um perfume que o transportava para terras distantes, sol e areia clara. Afogava-se. Afundava-se. Mas juro que ele era inocente. O mais inocente que alguém pode ser em lugar onde as almas caem e não há cura, mas muito sangue imaginário. Estou falando por ele que há pouco tempo desistiu de tudo. E de sua boca apenas palavras sem sentido fazem qualquer sentido. Piadas. Palavrão. Nenhuma canção colorida. Nenhuma cor em seus olhos. Começava-se a creditar que era ele quem precisava de proteção. O problema é que ele não notava, ou não acreditava. O homem precisava do colo e dos seios fartos da mulher que ele cansou de tentar salvar. Mas então havia outro problema... Ela nunca pedira por salvação. E ele disfarçava o que nele morria e todo o resto parecia ato heróico e cavalheirismo exagerado.

Acreditasse nas mentiras que contava terminaria acreditando que era capaz de amar. E acreditando, talvez fosse de verdade. Não sabia o que tornava qualquer sentimento digno de confiança. Preferia canções melancólicas e perfumes que traziam lembranças.
Afogando. Perdendo. Vivendo..."


'Eu te amo' eram palavras cruéis demais para se dizer a quem estava tão fundo no poço, colado ao chão, já meio-morto.

Renata Lôbo