sábado, abril 30, 2011



Parece que às vezes ela se engana, que se mata e se maltrata, que se acolhe no próprio peito e esquece as dores lembradas, parece que olha para o céu e vê passarinho, arco-íris e nuvens em forma de gato, algodão doce, parece que ela às vezes chora de saudade, chora de amor, chora por chorar, chora por dor, ela que sorri aos poucos, que se dá aos poucos, e que ama aos poucos, para aproveitar as alegrias raras, parece que ela maltrata a própria dor, que apela quando perde o jogo, que chama em voz baixa, singela, que segura na mão, que ruge de dor, que cora de vergonha, ela é passarinho, presa no faz de conta, só pra fazer de conta que não é, que é gente de verdade, cheia de liberdade e vontade, ela olha o reflexo no lago encantado e vê as cores que inventa, inventa uma vida inventada de tanta saudade, um dia ela jura que lembra, que não era assim, que era comum e normal, gente como a gente, parece que ela acredita em felicidade, parece que ela sorri e dança na chuva, e o sol acompanha, iluminando seus cabelos e incendiando tudo à sua volta, só para ela admirar, só para ele admirar, só para ela não chorar, porque dentro a dor é de verdade, e mesmo a beleza não apaga a lágrima contida, parece que ela se corta, só pra ver o sangue brilhar, só para apagar a própria chama, parece que ela não chora lá, mas é mentira, é só para enganar, porque ela é faz de conta, e o sangue não conta, o que conta é o que não se pôde dar, é como não se pôde amar, é como mesmo no meio de tantas alegrias e gentes, o que conta é o que não se pôde dizer, mas parece que ela vive como quem não vive, ela se faz ver, mas no fundo ela só podia esquecer, fazendo de conta que aquilo é sonho de verdade, que o que importa é lar, que é doce sonhar, que o seu sonho era um sonho de ninar, mas mesmo naquele mar ela não podia se afogar, parece que às vezes ela se esquece que é dela que se fala, que é dela que se esquece.



Acompanha a música nessa nova estação porque os sonhos... os sonhos se perdem no verão, como os vagalumes no Japão, gente lá e aqui, me fizeram lembrar qualquer coisa que já não importa, que esqueci depois que fechei outra porta.

Renata Lôbo

sexta-feira, abril 29, 2011



As estrelas estavam brilhando lá em cima, perfurando nuvens escuras em um céu de veludo. De alguma forma tinha a nítida sensação de que tudo estava em seu devido lugar. De alguma forma o caminho estava certo, e sorrisos de uma calma alegria pintavam lábios amargos onde antes não havia sequer palavras.
Não é algo simples, mas também não é complexo.
Que os dias se escurecessem ainda haveria algo em que se apoiar, em que se segurar.
Que todas as portas se fechassem ainda restariam janelas. E punhos capazes de quebrarem barreiras, muros de concreto.


E se eu cair, que haja mãos para me segurar...

Renata Lôbo

domingo, abril 24, 2011


Estranhava cada vez mais o mundo. Ela se amava e se odiava. Todo um pacote estragado de calos dormentes e semi-infectados de amor perdido.
Estava cada vez mais arisca.
E não é que o coração estivesse machucado, mas a paciência havia ido embora. Não queria que ninguém ficasse, porque uma pedra jogada no lago afetava até a mais profunda partícula de areia adormecida. Não queria ondas em seu mundo.

Renata Lôbo

quarta-feira, abril 06, 2011

Naquele momento, tudo era uma questão de perigo. A vontade de fugir estava escancarada no rosto, na pele, nos traços. A vontade de cair latejava a intervalos regulares, cada vez em ondas mais fortes como uma ânsia mal comportada. A vontade de ficar sentada em um canto remoendo pequenas picuinhas, cartas inexistentes de um passado tão esquecido e digerido. Sorrisos duvidosos e músicas dançantes disfarçavam o ar funesto, e seus dias de adeus caminhavam como se o mundo suportasse - ou se importasse. Queria mesmo era ir embora, ou não mais voltar. Que aquela que era ela fosse esquecida e que uma nova persona assumisse o controle para que as antigas dores fossem enterradas em funerais solenes. Uma nova ela assumiria novas dores recém-pintadas, recém-nascidas com gritos cortantes e ossos leves.

Que tudo fosse o necessário, o possível, o manejável.

Mas é que naqueles dias em que as estrelas se escondiam e o céu acinzentado quase chorava, naqueles dias o perigo era real e palpável como se um de seus antigos fantasmas sussurrasse segredos indesejáveis.

Não era culpa de ninguém. Não era sorte de ninguém. É que a verdade não era por acaso. Nem suas mentiras.

Renata Lôbo