domingo, junho 20, 2010


Morreu em plena avenida. Atropelado por um ônibus. Suicídio, disseram. Mas ninguém retirou seu corpo da rua. E depois de dois ou três carros. Pasta de pombo no asfalto.

Renata Lôbo

sexta-feira, junho 11, 2010




Eu não sei. Talvez já não haja mais nada para dizer. Mas é que essa noite foi tão absurdamente incrível que algo deveria ser dito. E não foi nada demais não. Apenas a vida. E esse momento de extrema doçura, espero não perder. Porque toda lembrança é em carne viva. Mas nem por isso doi. Na verdade doi sim, mas é uma dor que cura. Porque nem todo sangue é ruim. Nem toda bondade é boa. E nem toda vida é intensa.
Nesse exato momento eu me sinto mais viva que nunca. Mais acordada. Mais lúcida do quase-nunca. A lucidez ajuda da mesma forma que pode matar. Eu estou lúcida e o mundo brilha em cores que não conheço. Não quero dar nomes. Não quero limitar meu mundo porque eu também não tenho nome. Apesar de ser. Sei muito bem que nesse mundo o ser precisa ser. Para pertencer. Para estar.
E na noite de céu tão escuro os carros seguindo para a direção que-não-sei com suas pessoinhas que nunca vou conhecer. Destinos que não me pertencem. Mas tudo está vivo. Tão vivo que meu coração dá um pulo, vai no mundo e volta. Tudo está vivo e os faróis me lembram que também estou aqui, meu corpo reconhecível e recortado contra a escuridão tenebrosa. É preciso ter escuridão dentro de si para que se possa reconhecer e amar a luz. Quero estar aqui. Quero ser essa pessoa indizível e de gostos estranhos, que procura amar através de muros de concreto. Quero acreditar. Acreditar só por acreditar. De graça mesmo. Como se ao não ganhar nada eu ganhasse algo. Algo que é só meu e me faz abrir os olhos e os braços para o instante agora. Porque é só nesse momento agora que tudo isso existe.
Estou com saudade de viajar. Entrar em um ônibus e ir para algum lugar que mal sei. A doçura do momento me deixa desprevenida. Ver campos verdes de cidades que não conheço e nunca vou conhecer. Imaginar que ali a vida também existe tão intensa e real quanto minha própria realidade. Meu próprio eu. E ali alguém também será eu. E assim eu estarei no mundo inteiro. Irreconhecível e mutável.
Desci do ônibus um ponto antes porque não me aguentei mais dentro de mim. Precisava caminhar. Tantos pensamentos dentro da cabeça dá pra fazer o mundo parar. E não quero que nada pare. Quero continuar correndo atrás dos meus sonhos agarrada à essa estranha realidade onde o vivo e o real me dominam com um sorriso bobo. Estou sorrindo. E estou sorrindo porque estou viva. E você?

Renata Lôbo

quinta-feira, junho 10, 2010


O que foi perdido foi encontrado. Nas entranhas do mal. Nos olhos do medo. E de coração assustado.
Não me deixe, ela sorria através de seu coração esmagado. Que seu sorriso desbotasse a ferrugem e a acidez, seu mundo se fragilizava com a ventania de um suspiro. De um aceno. De uma lembrança.
Dance comigo, esmagou por fim a salvação final.
Me refugio entre estrelas. Ouça meu suspiro. Veja meus olhos. Estou bem aqui. Parada no limite do tempo. Esperando que tudo que sonhei não tenha sido em vão.
Se eu despertasse agora, ainda assim não teria sua mão. Meus olhos de opala estariam frios
no meio de tanta solidão.
Mas já despertei. E quem não está aqui, nunca me verá.
Renasci mais forte do que nunca.
E meu destino me pertence.
Porque foi assim que decidi.
E você?
Venha comigo dizer adeus à dor.
E não ter mais saudade. Nem medo. Nem dó.
De deixar tudo para trás.
Quem me deu abrigo. E me aqueceu.
E me disse adeus.
Naquele tempo não existia mais nada ali. Era como uma grande explosão em que o silêncio engolia o caos, Ouvidos surdos. Palidez sombria e inconstante. Tudo em que se apoiava, caía - e tudo com uma graciosidade absurda. Como se o tempo se recusasse a deixar a dor ir embora e se refugiasse entre canções mal cantadas e cores desbotadas de paredes lascadas, de realidade manchada. Tintas sem cores. Pássaros sem sons.
Era assim que o Sol brilhava entre nuvens muito escuras e corações muito partidos. Tiros de algodão-doce e sonhos de coca-cola, seja lá o que isso significasse.
E tudo desmoronava.
Sem se importar.
Acorde!
Eu já teria caído.
Mas ela já teria se levantado.
De olhos bem abertos e sorriso mofado.

Renata Lôbo

Ela era assim. Muda. Calada. Apática. Sem sinais óbvios de linguagem. Nem mesmo corporais. Não é que ela não soubesse. Ela apenas não queria. Quem é que a julgaria por esse simples detalhe? Se ninguém notasse, então nada mudaria. Se ninguém a visse então ninguém notaria. Havia tantos ninguéns. Havia tanta coisa subentendida em olhares perdidos e secos. Havia sintomas de saudades impressos em tintas coloridas e brilhantes que enfeitavam salas sem visitas. Atuações. Charme. Obsessão. Ela era um pedaço de céu azul em uma tarde cinza. Ou seria o contrário? Apenas uma estrangeira em terra amada. Terra nascida. Uma estrangeira por natureza. Por incompatibilidade sanguínea. Por escolha própria. Por vida própria. Seu estrangeiro era o mundo lá fora. Ondas cerebrais de pássaros cantantes. Notas musicais sem cor e sem riso. Pátria de ninguém, só para variar. Tão clichê, pensou. E tão real.

Renata Lôbo