- Então, o que acha? Dissera sentando na cama e olhando os olhos caramelos da garota à sua frente.
- Então o quê? Acho que você está confusa e me deixando confusa. Toda essa história é exagero. - estava distraída puxando as orelha de um coelho cinza que pegara ao acaso na prateleira. - As máscaras caem mais cedo ou mais tarde, é só saber esperar. - Surpreendera-se com a sua súbita falta de paciência.
- Eu sei. Mas queria que me dissesse algo além disso.
- O que você espera que eu diga? As verdades óbvias que já conhece?
- Não sei. Mas esperava encontrar uma lógica nisso tudo.
- Lógica? Você sabe com quem está falando certo? - riu-se desdenhosa. - Mais cedo ou mais tarde vão descobrir que há algo errado com você... Vão te colocar em um lugar pequeno e sozinha... - vendo o ar abatido da outra quase arrependera-se das palavras que sempre lhe ultrapassavam. - Desculpa. Mas, não é o óbvio?
- E o que você quer que eu faça? - controlava-se para não começar a chorar e gritar. Aquela garota parecia tão madura apesar da idade, tão segura, e às vezes tão má. Mas se começasse a gritar, alguém entraria no quarto perguntando o que estava acontecendo. Controlara-se ao máximo.
- Por exemplo, poderia começar parando de me chamar. Faça uma nova amiga, compre uma roupa nova, escute música, se distraia. Talvez assim você consiga me esquecer... e nunca descubram sobre isso, e não te prendam... - 'verdades óbvias', pensou - Eu sei que parece impossivel agora... mas ajuda se eu disser que eu detesto esses nossos encontros? Que eu detesto ouvir os seus problemas bobos? E o seu quarto continua infantil.
- Eu sei! - dissera ofendida tirando das mãos da outra o coelho cinza de nariz engraçado. - Eu só queria que isso fosse tão fácil assim. E eu não acredito em quase nada do que você diz. - levantara-se colocando de volta o coelho na prateleira. Não olhando assim os olhos caramelos que sentira que lhe observavam.
- Se é assim, porque precisa de mim então? Eu não tenho certeza se prefiro que acredite em mim... Mas isso me ofende! Eu sempre fui sincera! De um certo modo, eu acho...
- Porque eu preciso de você?... - tinha um ar confuso e atrapalhado. - Acho que tenho medo de ficar sozinha...
- Não seja tão infantil! Adultos são sempre sozinhos! E você já não é mais criança! E mesmo se for verdade... não importa, né? Porque ainda não é uma desculpa que convenha. Pensa bem: metade do mundo nesse momento está sozinho e a outra metade está se sentindo sozinho. - aproximara-se dela encarando os olhos caramelos como os seus e pegando em suas mãos ternamente, 'ela vai chorar' pensou com um certo desdém - Mas isso não é razão para se criar ilusões... Não é normal conversar com a sua metade infantil!
- Estamos saindo! - dissera sua mãe abrindo a porta num rompante, como sempre, sem bater antes. - você vai ficar bem sozinha?
- Sim - dissera meia aturdida, baixando as mãos discretamente.
- Tem certeza de que está tudo bem?
- Sim. Tudo bem. Podem ir. Aproveitem a noite! - sorriu um sorriso amarelo.
Adultos... Além de sozinhos, mentirosos... pensou a pequena antes de desaparecer na escuridão da outra.
Renata Lôbo
Um comentário:
Apesar de todas as indicações, fiquei em duvida sobre qual das duas é a real... Na verdade, relendo alguns trechos e o final com atenção já consegui entender...
Ah, não esperava por esse desfecho. Achei que ficaria num adeus simples e pronto, mas essa ideia foi ótima... Assim como o "renascimento" de certa forma..
Parabéns menina.
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