quarta-feira, abril 08, 2015

"Nada como um passeio pelas terras do passado para reabrir velhas feridas."
A criança cresceu e agora cria seus próprios passarinhos. Arco-íris no horizonte enquanto pedala freneticamente. Na próxima esquina. Na próxima curva. Em algum lugar existe aquele horizonte recheado de coisas novas. Em algum lugar vai estar o meu  próximo eu, encontrado e não perdido. Pedala freneticamente enquanto lágrimas de chuva limpam seu rosto sujo de uma dor que ela nem entende. Além do horizonte tem um sol à sua espera. Corre. Corre. Corre. Talvez na próxima esquina. Talvez na próxima vida. Mas ela insiste na curva errada. No buraco na estrada. Pedala freneticamente sem se assustar com os gritos internos que ainda não consegue ouvir. Um dia a gente chega nesse outro lugar. Esse lugar que não é aqui.


A criança caçava borboletas, mas quando as apanhava, fingia perdê-las. Uma doçura nata e ingênua. Se encontrava debruçada em planos nunca concluídos. Dominar o mundo. Acordar cedo. Aprender a surfar. Comer chocolate até não aguentar. Ser a última a ser encontrada no esconde-esconde.  Crescer.
A criança sorria sonhos doces que se quebravam na rotina apressada dos anos. E estes engoliam suas horas, suas borboletas. Seus mundos. Acorda cedo e respira o ar gelado da manhã perdida. Tempo perdido. Horas sem efeito. Se ela crescia sem abrigo, como aprenderia a ser lar? Como aceitar ser porto se não sabia sequer ancorar?
A criança cresce. A criança se perde. Fechava os olhos e respirava fundo tentando capturar imagens de um passado esquecido. Talvez essa caixa mágica esteja quebrada. Daqui eu só vejo escuridão.

quinta-feira, abril 02, 2015

A loba que existe em mim anda com fome de afeto. Ela uiva nas noites quentes em busca de companhia, em busca de bestas-feras que preencham o vazio dilacerante desses olhos sem pecado.
A loba aqui, tem gritado em desespero mudo, e no silêncio do mundo se esbalda em cofissões perdidas.
A loba que existe aqui te quer com suas garras, suas histórias, suas presas ofensivas, apenas para te dilacerar em tiras mínimas, arrancadas à força, na violência contida de sonhos desbotados.
Corra, criança! Corra! 
Ou a loba faminta vai te devorar.

terça-feira, dezembro 30, 2014



Eu não uso palavras, não me expresso bem, não tenho sintomas de amor, eu não sou ninguém.

Cortaram minhas asas em um tempo em que asas não crescem mais, substituiram o que falta por uma falsa normalidade. Arrogante, arisca, me dôo toda, mas com muita moderação. Controlando o fluxo de pensamento, o fluxo de sentimento, o fluxo de dor. Tudo em pequenas doses, a conta gotas, pra não inundar o excesso que guardo a sete chaves em uma caixa de Pandora maldita, desdita, nem-dita. Minha caixa roída de traças carentes de afeto, carentes de proteção. Me protejo como posso, me salvo quando quero, me deixo se assim desejo. E desejo.. Sempre com muita exaustão.
Me cerceio como o inimigo que sou, me combato, me aprisiono, me protejo, me castigo.  Uma insônia eterna de desamor. Paredes marcadas, contadas... 
Palavras erradas.

quinta-feira, novembro 13, 2014



... É assim, a gente se isola, se inibe, se afasta. E finge que está tudo bem. Finge que a escuridão ainda está longe, há milhas e léguas, afinal, eu tenho um pequeno sol que me aquece nessas noites muito frias. Vamos continuar como se tudo estivesse igual. Finge que o peito não chora, que a distância e a indiferença não machuca, não apavora. Se eu risco o chão e digo ‘esse é limite’, você aceita minha imposição e me deixa com minha lógica inquestionável. Nunca discuta com a loucura, ela sempre vai ganhar. É que a lógica desses dias me explode com suas verdades certas. É claro que eu posso errar, nenhum ser humano está isento do erro. E eu erro. E não volto atrás. Porque voltaria? Porque eu olharia para trás se não há mais nada ali para mim? Porque voltar se eu não existo lá? Não existo também aqui. Não existo em lugar nenhum. Direita ou esquerda? Ainda estou tentando achar minha bússola. Finge que eu não estou fingindo. Eu sei o caminho, eu sei a rota mais curta, a menos perigosa. Brinca comigo que a verdade existe em algum lugar. Brinca comigo que a vida não tá me machucando. Que eu não tô me isolando, porque eu sei bem que o caminho fica escuro e impossível sozinha. Finge que nada disso está acontecendo de novo. Finge que o ódio não tá me acompanhando e me esmagando, esmagando a alegria que eu não sou. Finge que acredita no meu sorriso e que eu sou alguém importante e especial. Finge que eu não tô caindo de novo, e que eu não caí naquela armadilha que eu mesma desenhei. Finge que as palavras não fugiram de mim me deixando sozinha na escuridão sem letras. Finge que eu não estou aqui tentando dar sentido para tudo que não tem sentido, que eu não te assusto porque minha escuridão está sob controle. Finge que eu não estou desgovernada nesse abismo que eu finjo linha reta e me diz que  todo o resto é balela. Finge comigo que não estamos fingindo tudo isso, toda essa conversa que nunca vai acontecer, todo esse sonho que eu nunca vou sonhar porque eu sei que me é proibido. No caminho violento das emoções eu estou em busca de algo que eu sei impossível e inatingível. Finge que eu não me importo. ...

sábado, setembro 06, 2014

Guarda o silêncio, guarda a calma, guarda a alma. 
Aprisiona o ar. 
O ar rarefeito que te esmaga e te sufoca. 
Engole o choro, os hematomas invisiveis, a insônia não vista. 
Esconde a Alma. 
Esconde o coração. 
Joga a toalha. Jogue flores. Jogue o amor. 
Que atinja alguém. No meio da cara. Em cheio no peito. 

sexta-feira, março 28, 2014


O coração batia rápido, descompassado. Um ritmo quebrado e dolorido. Buracos vazios, paredes nuas e retratos abstratos marcavam esse torpor sem sentido, esses sentimentos mal delineados e derretidos. Não importava quantas vezes se importava. Não importava quantas vezes se exportava. O coração vazio e o sentimento perdido. Olhe para os seus sonhos e me diga onde estou. Arranho essas verdades na sua cara porque o vazio me incomoda, suas ações e suas palavras. Esse carrocel amaldiçoado não é pra mim. Jogue fora meus bilhetes, meus sintomas de amor, meus sintomas de não-me-toque. Jogue fora suas certezas, me encontre nas dúvidas. Decifra, meu amor. Decifra o mistério que não sou.

domingo, dezembro 08, 2013


Tanta coisa pode dar errada, tantos momentos de desastres catastróficos evitados por um triz. Do acordar até o dormir, tantas coisas podem acontecer, tantos tetos podem desabar, me soterrar, me desaparecer. Qual o momento? Qual a hora mais escura do dia? Como se achar e se perder e se achar e se ter e se vender e se perder e se deixar e se levar? Sempre por um triz. Sempre por um fio, um arranhão, uma beira, um abismo me engolindo. Se você sabe o caminho e o caminho não está? Se você tem o relógio e não as horas? O sol, mas não o calor? Como se encontrar no entulho do dia-a-dia-a-dia-a-dia?... Cadê meus sonhos e minhas horas? Cadê minhas fantasias de cataventos infantis? Magia. Cores. Algodão-doce. Nuvens de algodão. E naquele sonho de realidade barata em promoção, naquele sonho de vento cantado e sonhos inventados... As horas desabam sobre minha cabeça. Os sonhos... Onde tantos, agora tão poucos. A ordem é recomeçar. Do nada. Pra nada. A ordem é ser. A ordem é inspirar e expirar e inspirar e expirar e inspirar. Retome o fôlego, uma nova caminhada te aguarda. Cadê o sentido? Cadê o Norte? Cadê meu eu? Isso é a vida. Te testando. E todos assistem. Sua derrota. Sua glória. Isso é o mundo. O inevitável do mundo. O inevitável de tudo. Respire fundo. Mais uma vez. Vai começar. O surto psicótico silencioso amortecido por um elo entorpecido. Vai começar. Aplausos no final da estrada, no fim da linha. Silêncio absoluto. O que sou eu está caminhando com um sorriso desbotado e afetado. O que sou eu tem a força de um tufão e quebra tudo e destroi tudo e some com tudo. O que sou eu não te quer e nem te entende e nem te tenta e nem te sonha. O que sou eu aguarda uma não-salvação, porque ninguém pode me salvar, nem te salvar. O que sou eu sonha acordada, mas não entende nada. Aquilo não sou eu. Aquilo nem sei o que é. Aquilo me deixou sem palavras e sem direção. Aquilo me devastou de dentro pra fora de fora pra dentro de sonho pra nada de nada pra nada. Ponto final. Escolha final. Me pegue pelo chão. Meus pedaços, meus rastros. Me ache no caminho. Finge que não é nada disso. Finge que entendeu até o que eu não entendo. Finge que não é sua a minha confusão.

sexta-feira, agosto 09, 2013

Saída de emergência. Vou agarrar essa porta. Um passo de cada vez. Você não vai me encontrar mesmo que me procure. Tic-tac-tic-tac. O sol vai se pôr. Que minha luz não se apague. Estou encontrando os meus pedaços que esqueci ter perdido. Que esqueci de mim. Vou te dizer que estou inteira e você vai acreditar no meu mundo cor de rosa repleto de sorrisos doces e inúteis. Me pegue no colo que meu mundo já explodiu e nem eu sobrei por esses lados. O meu pior e meu pesadelo andam de mãos dadas nessa ciranda embaralhada. Convites não aceitos. Afetos não sentidos. Vamos dizer que por hoje está tudo bem. E talvez esteja de verdade. Vou deixar meu silêncio gritar por mim. Verdades que não aceito. Sonhos que não quero. Admitir derrota. Jogar a toalha. Desitir. Onde estou no meio desse furacão que não sou? Finge que acredita e me dê seu sorriso mais cínico. Não quero nada. Falsas esperanças nunca me interessaram. Nunca fui doce, nem salgado, nem azedo, nem rhum. Finge que sou. Finge que sou leve e o coração está aberto e que tem luz e que meu caos não vai te engolir e te destruir. Finge que eu não mordo.

domingo, fevereiro 17, 2013

Picasso Suicida - trecho


 "Acordou se sentindo mais fraca. A noite foi longa. Brigou mais uma vez com o marido que saiu de casa batendo as portas, dormiu fora. Deve estar no escritório. Não houve muitas situações como essa, nunca tinham perdido o controle dessa forma. Karina sempre achou que essa fosse a força do casamento: a união que tinham parecia inquebrável. Só agora percebia que não havia união alguma, que ambos nem se conheciam há muito tempo. Foi com esse pensamento que adormeceu. Agora ela de alguma maneira conseguia enxergar essa verdade dura. Haviam se afastado. "Porque? Quando?" Teria sido por causa da morte de Carolina. A morte. Pensou quanto tempo mais teria pesadelos e por quanto tempo mais a vida continuaria tão pelo avesso. Quanto tempo duraria essa crise? Enquanto se encaminhava para a mesa, a fim de tomar o café da manhã como todos os dias fazia, passou pela porta do quarto da filha que continuava fechada. Desde o ocorrido não sentiu vontade e nem teve coragem para entrar. Os empregados que arrumaram tudo. Receberam ordens de Caio - que nessas horas parecia muito sensato e maduro - receberam ordens para apenas limpar e arrumar o quarto, como se nada houvesse acontecido. Quando Karina lhe disse que seria inútil e que o melhor seria se desfazer de tudo, desde as roupas aos cds e livros, Caio, com o olhar duro, disse apenas: "Você não vai conseguir isso se não entender." Perguntava-se constantemente o que ele queria dizer com isso. Uma semana depois Caio viajou de férias para a casa da mãe A empregada que encontrou Carolina caída no chão naquela noite horrenda, demitiu-se e saiu do serviço no mesmo dia em que Caio viajara. "Ele bem que queria se demitir também" disse para si mesma. "Se pudéssemos nos demitir da vida que levamos..." Suspirou delicada e se preparou para enfrentar mais um dia, sozinha. "

Renata Lôbo