O caminho era longo e o coração já palpitava na boca enquanto
antecipava a noite que se aproximava com seus passos lentos. Há muito não se
via o sol no horizonte e mesmo o vermelho desbotado já havia desaparecido do
céu, sendo trocado por estrelas zombeteiras em seus casulos brilhantes, que ela
observava entre uma esquina e outra.
Os olhos calmos escondiam a tempestade que se aproximava. Não
prestava atenção à sua volta, mal tinha noção de si própria, de seu corpo, seu
pedaço de mundo. Há muito havia se esquecido de si mesma e se entregado a essa
rotina. Mas se lhe perguntassem, estava bem, estava inteira. Mesmo que fosse pedaços
diminutos de quem um dia fora. Estava à caminho, e isso lhe bastava por hora.
Caminhando lentamente pela contramão, vendo os faróis que refletiam seus olhos
de gato perdido. Abandonado.
E então sorriu. Um sorriso pálido de quem nada espera. Um sorriso
largado em descompasso com os olhos, com
o tempo. Não pensava no que estava fazendo, no que havia se tornado, apenas se
deixava ir, sem pensar no tempo, nas horas que não se contentavam em devorá-la,
mas devoravam tudo o que dela havia restado. Restos de uma vida que mal se
lembrava. Não havia tempo. Apenas essa entrega.
Então havia chegado.
Estava bêbada. Gritava. Brigava. Xingava. Estava sozinha. Ela
contra o mundo todo. O mundo que machuca e que a maltrata. E nem uma palavra
seria suficiente para expressar toda a sua raiva, toda a sua ira. Ira por todo
mundo. Pelo mundo todo. Nada se podia fazer, nada a conteria, não naquele
momento. Aquele era seu momento e não precisava entendê-lo, apenas aceitava que
o mundo girava assim. E os minutos passavam, as pessoas à sua volta olhavam,
escutavam, havia risadas mal disfarçadas. Um embaraço contido.
Ela estava perdida e chorava. Bebia mais um pouco, apenas para
encontrar a coragem para gritar suas dores em voz alta. Ela gritava e chorava
de novo. Ela pega um copo e o quebra, não se satisfaz, quer destruir tudo, quer
destruir tudo até mesmo a si própria, por que talvez assim pudesse ter um pouco
de paz.
Sentou por um instante em busca de fôlego e as rugas no rosto se
fizeram presentes, as marcas de um tempo que tinha um fim anunciado. O tempo
que passava entre um gole e outro, entre um murro na mesa e um urro histérico,
e então calmamente ela retomava toda a sua ira. E gritou com todo mundo e com
ninguém. Tornou-se vulgar, queria era bater em alguém, os pedaços do copo não a
satisfazia, não era suficiente ter cacos pelo chão. Queria mais, queria sangue,
queria gente.
Queria afastar os rostos que a assombravam em noite quente sem lua
no céu. Os rostos que nunca mais a veriam. E se a vissem? Pensava entre um
devaneio e outro, entre uma injúria e outra; e se a vissem? Teriam rido da
criatura patética que havia se tornado? Correndo de bar em bar, só para ser
expulsa ao final de cada noite, só para voltar no dia seguinte gritando suas
dores para pessoas que nunca a entenderiam?
Mas não havia volta. No fundo sabia bem disso, não havia como
voltar àquela vida construída e desconstruída como retalhos podres de uma
coberta fria. Mas então, porque sentia que queria tudo que podia ter e que o
mundo não lhe dera? A noite mansa caminhava lá fora, em breve seria dia e seus
fantasmas a deixariam, porque era hora de dormir, de sonhar um pouco.
Em breve seria hora de dizer adeus, encostar seus cabelos
emaranhados no travesseiro puído e por um momento deixar de existir. E esse
momento era doce. Mas por enquanto ela bebia e chorava toda sua dor e toda sua
ira. Ira de mulher solta, de mulher triste que não tem ninguém para quem ser.
Era mulher da noite que não sabia nada, mal sabia sonhar, nem mesmo sabia se
ter.