Mas é que alguém ainda irá sangrar naquele caminho tortuoso que escolhemos. Facas, pedras, punhos... Tudo será arma fatal. Até mesmo nossas vozes que não alcançam o paraíso, nossas vozes serão a nossa mais extrema e última força. Devastação de tudo aquilo que um dia foi belo. Mas é que belo por belo, fiquemos como somos então. Sem excessos e perdas... ou seria excessos de perdas? Lembrará daquele sol vermelho de uma tarde sem som, e suas lembranças serão paisagens perdidas - filmes gastos de tanto ver e rever, mas ainda será a sua prisão-paraíso. Cuidado para não se perder. Nunca se perca! Mas é que cedo ou tarde a gente sangra de novo. Tortura de uma Inquisição Espanhola onde fomos julgados perigosos, possuídos por qualquer coisa que nem mesmo conhecíamos. Você, meu gato negro de sempre, parceiro de uma fuga inconsequente. Mataríamos para viver naquelas noites em que nos aquecíamos ao fogo pálido de uma fogueira improvisada. Prisão-paraíso. Nunca escapamos dessas estradas com vida, mas quem liga para essas fatalidades? Esses detalhes? Viver é um jeito de morrer, só quando estamos tão de cara com a morte – seja ela como for – é que sentimos latejar toda a vida contida nos dias solitários. Ou não seria isso? Ah, mas não quero dizer agora o que me disseram sobre viver, é que eu não gosto de coisas piegas! E conhece maneira menos piegas de dizer sobre uma vida inteira? Caio então na fatalidade em que construo esse futuro de imagens fictícias. Como enxergar isso tudo que não vejo? Como usar essas lentes que não só ampliam a imagem real, como também ferem o que tenho de tão precioso? Meu modo de ver o que posso enxergar. Desculpa, mas hoje não choro por ninguém. Meu único consolo - que desse não há consolo mesmo - é saber que sei aquilo que ninguém mais diz, é saber que, intuitivamente, sei de gentes e de futuros. Meu único consolo é que embora eu não veja aquilo que quero, sei sempre ver o que importa, mesmo que na hora em que devo dizer, eu permaneça muda, entalada pelo que sei. A gente anda tão só nesses últimos dias! Esses últimos segundos! A vida só existe nesses últimos segundos enquanto ainda retenho o pouco que sei. A vida dura muito pouco.
Eu e meus fantasmas vamos bem, obrigada. Uma grande família feliz, unida por sangue e lágrimas derramadas.
Renata Lôbo
Eu e meus fantasmas vamos bem, obrigada. Uma grande família feliz, unida por sangue e lágrimas derramadasEu e meus fantasmas vamos bem, obrigada. Uma grande família feliz, unida por sangue e lágrimas derramadasEu e meus fantasmas vamos bem, obrigada. Uma grande família feliz, unida por sangue e lágrimas derramadas.
Um comentário:
"só quando estamos tão de cara com a morte – seja ela como for – é que sentimos latejar toda a vida contida nos dias solitários"
muito bom o seu texto
bom domingo
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