domingo, setembro 12, 2010


Mesmo quando a boca cala, os olhos gritam. E na noite de olhos negros e ossos frios, ela permanecia em pé com um peso secular sobre os ombros. Dois caminhos se abriam como uma flor que desabrochava contra a fraca luz da primavera nascente. Ela segurava o anel com mãos firmes apesar de frias como se o medo a consumisse em um estupor doce e solitário. Lembranças dançanvam em seus olhos que fixavam o horizonte, além do lago, além daquele momento. Um momento passado. Uma vida passada. Ela podia ver o ângulo que o anel faria antes de cair para sempre naquela água gelada. Fones de ouvido cantavam uma triste música enquanto ela visitava pela última vez aquele mundo que ela fingiu por algum tempo pertencer. Aqueles braços. Aqueles olhos. Aqueles lábios.
O anel era um presente. Um presente de um momento feliz. E significava tanta coisa que mesmo se ela tentasse, nunca conseguiria dizer em palavras compreensíveis, nem metade, nem mesmo um único sentido. Nem sequer uma migalha de sentimento. Ela visitava seus sonhos, seus planos, a alegria fácil, o riso fácil. Mãos protetoras, aquela camiseta preferida, aquele cheiro tão persistente, que mesmo depois de tanto tempo ainda lhe causava arrepios cheios de saudade... Ela não podia se livrar do cheiro, que sempre aparecia de forma inesperada e na pessoa errada. Mas ela podia se livrar do anel. Se houvesse a escolha, ela jogaria as memórias no lago fundo. Jogava mesmo seu coração com entalhos tão profundos e esperanças inúteis. Ele havia deixado uma pedra ali, uma pedra linda com desenhos azuis e pele lisa como mármore frio. No terreno tortuoso que era seu próprio coração havia uma linda e inútil pedra azul que lhe trazia tanto memórias perdidas como lhe pesava de forma covarde. Uma pedra no oceano, e não era pedra que afundava, era ela própria com suas memórias pesando no pescoço, na garganta, nas costas, no peito...
Pela última vez, pensou. E o anel estava tão preso dentro de sua mão que lhe fazia mal e os nós dos dedos brancos e trêmulos, enquanto o sangue corria rápido demais dentro de suas veias, partindo de seu coração partido em pedaços diminutos. Pela última vez, disse em voz alta enquanto um pássaro sem nome levantava voo de forma desajeitada e feia. Era a última vez que veria aquele desenho solitário naquele anel, uma pequena cruz que parecia tão solitária quanto ela com suas memórias perdidas. Ergueu o braço e se preparou para usar toda força que ainda tinha. Dois caminhos e uma flor morta.
Segurou o fôlego e gritou. Gritou para Deus, para os peixes, para aquele pássaro patético. E então o mundo não se importou e o silêncio voltou como se não fosse nada. E não era nada. Nada mesmo.
Jogou fora as memórias. A saudade. Jogou fora o resto de amor. Mas aquela alegria doce e aquela tristeza continuariam a habitá-la. Sua pedra azul apodreceria no fundo daquele coração partido.
Quando ela voltou para casa naquela noite não havia lágrimas em seu rosto de boneca perdida. Não havia dor escondida naquele sorriso pálido, apesar de que ainda estava lá, não tão visível, mas ainda lá. Não havia sequer rastro de que alguém havia passado por sua vida e deixado e marcado aquele pedaço de sua história...
E o anel continuava em seu dedo como se não significasse nada, mesmo significando tudo.

Renata Lôbo


"Can we pretend that airplanes in the night sky are like shooting stars?
I could really use a wish right now..."
Ao som de B.o.B e Hayley Williams - Airplanes

2 comentários:

Taciana dos Anjos disse...

nossa demais! adorei seu texto!

Renata Lobo disse...

Obrigada!^^