- Eu posso prever o futuro. - dissera como se fosse a coisa mais normal de se dizer. Não esperava por uma resposta. Na verdade, evitava olhá-lo já adivinhando o espanto e o ceticismo dele.
Ele não disse nada. Não acreditava nessas coisas e a cada dia que passava, acreditava menos ainda nela.
- Não vai me perguntar sobre o seu futuro? - Ela já se posicionara na defensiva. Apesar do tom irônico, o sorriso ainda morava no canto dos lábios como um hóspede secreto. Mesmo quando tentava ser cruel com ela mesma, não conseguia perder toda a doçura que ele lia como páginas abertas. Enrolava no dedo uma mecha do cabelo curto, olhava para o nada. Olhava para o chão. Reuniu coragem e olhou para ele, que adivinhou a seriedade na ponta dos seus olhos e isso o deixou meio lento e vacilou, hesitou. E ela decifrou seu desapontamento, mesmo quando ele tentava esconder, jogando pra debaixo da cama junto com tantos outros defeitos escondidos. Ela viu. Pregou-lhe um beijo na bochecha e levantou-se da cama para se vestir. Roupas pelo chão. Seus movimentos de bailarina de cristal eram espontâneos e simples. Vestiu-se sem pressa e sem demora. Seu último movimento era carregado de uma melancolia triste.
Ele quis puxá-la para si, afagar seus cabelos, beijar seu rosto de boneca, possuir sua boca. Mas estava sofrendo o mal da paixão quando o sentimento se mescla ao desejo e o estômago se revira e o medo paralisa.
Já ela, tinha muitas cicatrizes de rejeição e por isso tantos muros de concreto e metal venenoso que a protegiam e a matava. Terminou seu último movimento de sinfonia trágica. Calçou seus sapatos com salto plataforma. Olhou-o uma última vez. Aproximou-se como se o ar em volta dele lhe pertencesse. Aspirou seu perfume. Tocou em seu rosto. Gravou em seus dedos a forma daquele queixo. A textura de seus cabelos. Fotografou aqueles olhos. Aqueles seus olhos... Ligou aquelas duas bocas pela língua quente e úmida. Longos segundos. Sem música ao fundo. Sem palavras de consolação. Sem notas de adeus.
Ela previa um futuro imutável, e deixara o homem estático, parado e quebrado em pedaços diminutos. O perfume dela ainda dançava em volta dele. Pela última vez naquele quarto previu o futuro. Sem lágrimas para ajudar. Olhos secos de cigana perdida.
Renata Lôbo
2 comentários:
provocante... (que bom que você voltou a postar, já fazia tempo).
beijo
Que bom que voltou a escrever! Tb voltei... O conteúdo continua bom, como sempre.... Beijos
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