domingo, maio 28, 2006

Cara comum



Era um cara comum. Que levava a vida com um olhar calmo e leve como alguém que nada teme pois nada têm que seja propriamente seu. Não sabia ao certo o que esperava receber da vida, nem sabia ao menos se buscava algo. Um garoto ou um homem, por vezes se considerava um meio-termo estranho. Buscava olhos e olhares, buscava talvez ter sorte e se achar no caminho que trilhava. Se sentia sozinho e os rostos que conhecia não lhe conheciam. Era interno demais. Falava em excesso como toda pessoa que se esconde usando máscaras e rótulos. Se apaixonou uma vez... Mas não foi bem o que queria. E se tornou mais interno ainda.
Cansou algumas vezes pois se sentia leve demais. Ou pelo menos sabia fingir muito bem. Não vou citar seu nome, pois ele não necessitava ter um nome. Era apenas um rosto que se misturava com a multidão espessa. Não sabia o que buscava e sua vida se tornava um monte de achados, pois encontrava muitas coisas - e as descartava logo em seguida. Não saber o que se quer pode ser muito doloroso por vezes, e um tanto arriscado quando se dispõe sem querer daquilo que pode ser a salvação. Mas ele também não sabia que precisava ser salvo. Mas salvo do quê? De si ou do seu não sei? Não ter um senso de direção o colocava em situações arriscadas e muitas vezes arriscava mesmo o seu coração.
Vivia instintivamente o hoje e o agora, pois isso sabia bem fazer. O hoje e o agora... Talvez fosse apenas por falta de opção que se vivia assim. Nunca tive pena dessa pessoa sem nome. Nunca julguei. Viver por um ideal consome muita energia das pessoas, e não dispensar essa energia não era uma questão de covardia, mas uma questão de não saber. De não entender que às vezes se morre por amor. Por amor a si próprio talvez. Por amor a alguma coisa que seja maior do que si mesmo. E existiam tantas coisas para ser e se ter e se desejar, que ele não sabia que era possivel morrer por uma única coisa, por uma única causa, ou por uma única pessoa. E se podia realmente morrer por única pessoa? Mas morrer significava viver. Beber dessa fonte miraculosa que as pessoas se entregam sem medo. Amar e ser amado e ainda assim permanecer inteiro e intacto. Não sabia que se vivia por amor...
Mas era um cara comum, mais um rosto na multidão exsessa. um rosto com um olhar calmo de quem nada teme. Não temia? Não tinha o que temer? Não tinha nada para ser? E ninguém o conhecia. Ninguém iria lhe indicar a direção... Se escondia atrás da sua máscara da imagem de um rapaz de bem, e seguia a direção que já conhecia. Sem entender que o tempo passava e lhe chamava cada vez mais forte. O tempo passava...
E o mundo se ria da sua simplicidade de ser e de não saber. Do seu olhar distante sem porto nem beira. Não cabia direito no mundo que vivia. Não chegava e nem saía. Sonhos não se ganha e nem se pode dar. Vida não se entrega. E nem sempre se luta. Ás vezes se morre, e outras vezes se vive.
E por onde anda esse cara sem nome e de olhar calmo? Nem mesmo sei. Talvez se tenha salvo sem nem mesmo entender o que significava essa salvação. E tanto que falava que tudo um dia iria mudar... Falar do que se foi era uma forma de se ter o que nunca se teve, e o que nunca teria. O tempo passa... e os ventos do presente levam o passado para lá e para cá. Viver é uma dívida cruel que se paga com sangue e suor. Talvez ele soubesse mais do que imaginava e se guardava por não se ter por inteiro. Mas quem nesse mundo se tem por inteiro? Com um falso heroísmo se deixava inocente da vertiginosa verdade do mundo real. Era interno demais e não era por medo, era por piedade de si.

Renata Lôbo

quinta-feira, maio 25, 2006

Cristinne...



Era um dia como tantos outros quando Cristinne foi ao supermercado a pedido de sua tia. Fora ela e o irmão mais velho - um garotinho moreno e magro, de olhos castanhos e olhar sonhador.E era uma tarde que prenunciava uma linda tempestade, que Cristinne por extrema distração, não notou.

Enquanto voltava para casa a chuva prometida enfim desabou. Uma gota, e depois outra, e outra, e várias de uma só vez. Estavam ainda longe de casa quando a água surgiu e totalmente desprevinida, a menina começou a correr, quase em desespero, só queria chegar logo em casa. Notou então que o irmão ficara para trás numa tentativa que lhe pareceu um pouco vã, de apenas não se molhar.
_ Vem!! gritou com sua voz baixa, quase forçada.
O garoto a olhou com um certo espanto e um pouco confuso a encarou por alguns segundos e se decidiu por seguir Cristinne - esta corria à toda velocidade e seus chinelos escorregavam de seu pé pequeno e molhado. Descalçou-os. E neste momento em que se deixava restar sentiu o corpo frio e encharcado. Um prazer, uma paz. Não havia quase ninguém na rua, todos se refugiavam nos primeiros abrigos que encontravam a fim de esperar o término da chuva. Cristinne não se perguntou porque, não lhe interessava saber porque as pessoas esperavam, não se perguntou nem mesmo porque não esperar. Apenas se lançou na aventura.
Uma chuva forte, ventos tempestivos e ruas vazias. Era quase o paraíso. Chegou na quadra de casa, os chinelos na mão, a roupa pregada no corpo. O irmão já a ultrapassara e se encontrava no portão de entrada.
_ Porque não esperaram?? Ouviu o ralhar da tia.
_Ela saiu correndo!! disse o garoto apontando o dedo em direção a Cristinne que nesse instante via o olhar daquela mulher em sua direção, e sabia exatamente o que ela pensava naquele momento: ¨Que menina estúpida!¨
_ Porque você saiu correndo? perguntou o irmão enquanto lhe passava uma toalha. Cristinne já não prestava atenção. Repensou na corrida até chegar em casa, o vestido que pulava a cada passo largo que investia na tentativa de chegar ao seu destino, a água que pulava junto com todo o resto...
_ A chuva parou! Disse ela calmamente e observando pela janela uma fresta de luz que escorria por entre um céu quase negro. Não sabia porque não havia esperado o fim da chuva em um abrigo qualquer junto com o irmão. Poderiam ter evitado uma repreenda, estariam quentes e chegando naquele momento em casa. "E a chuva durou tão pouco!" pensou com uma certa nostalgia. Se tivesse feito isso não seria vista como uma pessoa inteligente, porque não era uma questão de inteligência não sair sob uma chuva daquelas, era uma questão óbvia. Mas ninguém teria lhe lançado aquele olhar de que se lança quando se faz coisas estúpidas.
E secretamente se perguntava também: porque não esperei a chuva passar? Por que não esperei?
Mas a resposta nunca veio, e se veio Cristinne era criança demais pra entender...


Renata Lôbo