Sentia que um dia - não muito distante - iria embora, ainda não sabia para onde, mas sabia que podia ir e não precisava sequer imaginar o que deixava para trás, assim que chegou estava fadada a ir...
Via o futuro, e aquilo que via não lhe agradava. Se ficasse tempo demais, jamais conseguiria se deixar ir. Se deixar ir era o seu destino, ficar era a sua morte humana. Com buracos estava acostumada, mas não sabia não os ter. Tinha que se forçar a cair neles, tinha que sentir a vida pulsando e escorrendo, como as lágrimas que derramava sempre que se machucava. Mas apesar de tudo, era feliz e forte. E o seu destino era fatal, tão fatal que tinha que correr para não perder o tempo que escorria na ampulheta gigante que lhe mostrava que o fim não se demorava muito.
E vivia depressa com a fúria dos gigantes que eram despertos, era misteriosa como olhar de gato, e os que a olhavam traziam em si uma interrogação imensa... Quem é? Porque é? Se soubesse se responder, talvez um dia restasse tempo suficiente pra conhecer as manias do lugar e se deixar amar pra sempre. Mas não sabia, e sobretudo, não podia saber. Sabia que tinha a força de um cavalo solto, mas era inteligente o suficiente para saber não comprar uma briga que não podia ganhar, não podia se ganhar. Nem ousava se desafiar a restar ou a saber. Era uma tirana e cumpria as ordens que se impunha, viver era um risco fatal, mas era o único risco que aceitava correr. E se deixava ser quando não podia mais ser...
Talvez algum dia restasse. Talvez algum dia alguém a roubasse de si mesma...Talvez algum dia amasse e pudesse tornar-se mansa e o seu fatal a abandonasse... Enquanto isso, olhava as pessoas preocupadas com as roupas da moda e fingia que via as mesmas coisas que elas, só pra não ter que se ir muito cedo, porque quando notassem que ela tinha realmente a força de um cavalo selvagem, já seria tarde e ela estaria em um outro lugar com o seu olhar de gato negro... misterioso.
(Renata Lôbo)