quinta-feira, março 31, 2011

Lettera


Então que fosse assim, que se trocasse o certo pelo errado. As curvas pelo beco sem saída. Que se escolhesse o que não faz sentido, que se esquecesse os planos, os cálculos, a lógica, o perfeito. Que se esquecesse o mundo inteiro. Talvez fosse exagero, talvez fosse exatamente o que faltava.

Não estava caindo, não naquele momento. Tinha os dois pés fixos no chão. Isso significa que também não estava voando. De alguma forma era triste, mas de alguma forma era todo um mundo de cores novas e bons sonhos. Sonos tranquilos. Claro, havia vez ou outra os pesadelos. E a sanidade que tirava férias em ilhas tempestuosas. E a saudade e a loucura que vez ou outra dançavam ciranda em volta dela - que sorria, quase contente. Pois um mundo de felicidade fácil não lhe interessava. Havia que ter sangue em ciclos regulares, veias abertas em momentos críticos para que seus momentos de euforia fossem justificados. Que existisse os tropeços, os abismos, e as colinas - para que se caísse, sempre por um fio, sempre por um dedo. Que se perdesse tudo, que o vento a levasse, que o mundo desabasse para que se pudesse construir novas fundações, dessas que nenhum furacão derrubasse, que tempestades avassaladoras não fossem capazes de devastar. Mas ela sabia muito bem que era temporário, tudo muito por acaso, quase sem querer. Ela não se importava de reconstruir seus mundos, pois sabia que sempre chegaria aquele momento... onde tudo estaria em seu devido lugar.

Pensou mais um pouco. Mordeu a tampa da caneta. Girou o cartão-postal e admirou a paisagem na foto. Horas já haviam se passado. E as palavras não estavam lhe ajudando. Não podia dizer tudo sobre seu mundo. Não sabia como dizer.

"Oi, eu estou bem. Tudo vai bem. Tenho saudades. Bjos."

Enviaria no dia seguinte.



Renata Lôbo